AMÉRICA

AMÉRICA



Acorda pátria e vê que é pesadelo
O sonho de ignomínia que sonha!




                            Tomáz Ribeiro



CASTRO ALVES
Recife – 1865


À tépida sobra das matas gigantes,
Da América ardente nos pampas do Sul,
Ao canto dos ventos nas palmas brilhantes,
À luz transparente de um céu todo azul.

A filha das matas – cabocla morena –
Se inclina indolente sonhando talvez!
A fronte nos Andes reclina serena,
E o Atlentico humilde se estende a seus pés,

As brisas dos serros ainda lhe ondulam
Nas plumas vermelhas do arco de avós,
Lembrando o passado seus seios pululam,
Se a onça ligeira buliu nos cipós,


São vagas lembranças de um tempo que teve...
Palpita-lhe o seio por sob a luz da cruz.
E em cisma doirada – qual graça de neve –
Sua Alma resolve-se em ondas de luz.


Embalam-lhe os sonhos, na tarde saudosa,
Os cheiros agrestes do vasto sertão,
E a triste araponga que geme chorosa
E a voz dos tropeiros em terna canção.


Se o gênio da noite no espaço flutua,
Que negros mistérios a selva contém!
Se a ilha de prata, se a pálida lua
Clareia o levante, que amores não tem!


Parece que os astros são anjos pendidos
Das frouxas neblinas da abóboda azul,
Que miram, que adoram ardentes, perdidos
A filha morena dos pampas do Sul.


Se aponta a alvorada por entre as cascatas,
Que estrelas no orvalho que a noite verteu!
As flores são aves que pousam nas matas,
As aves são flores que voam no céu!

Ó pátria, desperta... Não curves a fronte
Que enxuga-te os prantos o Sol do Equador.
Não miras na fímbria do vasto horizonte
A lua da alvorada de um dia melhor?


Já falta tem pouco. Sacode a cadeia
Que chamam riquezas... que nódoas te são!
Não manches a folha de tua epopéia
No sangue do escravo, no imundo balcão.

Sê pobre, que importa? Sê livre...és gigante,
Bem como os condores dos píncaros teus!
Arranca este peso das costas do Atlante,
Levanta o madeiro dos ombros de Deus.



Recife, junho de 1865





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